Seu Eduardo é um
senhor de 85 anos. Honesto. Bom amigo, pai e foi também bom marido. Criou as 5
filhas e formou todas. Noveleiro. Hoje sua maior diversão é assistir as novelas
e suas reprises na sua velha TV.
Em seu quarto, como
fazia habitualmente, seu Eduardo ligou a TV e começou a assistir "Corações
Avassaladores", novela reprisada a tarde na globo e tinha como uma de suas
protagonistas Kátia Valadares, atriz renomada e interprete de inúmeras novelas
e a segunda paixão na vida do velho senhor, só perdendo para sua falecida
esposa, é claro.
Ele andava um pouco
chateado, pois tinha que ficar mudando de canal toda hora, porquê o SBT
reprisava "Quando o Sol chora" novela também estrelada pela famosa
atriz, mas quando a Globo a colocou na geladeira e ela foi para a concorrente
buscar novas oportunidades. Mudou de canal e pegou um comercial da Globo
falando da maravilha da sua programação digital. Seu Eduardo pensou, minha TV
vai ser como o tal lepratop da minha bisneta, vou poder ver de tudo e conversar
com todo mundo, é a maravilha digital dos tempos modernos.
Acabou o comercial.
Voltou a novela e na cena entra um close de Kátia Valadares. Ela estava linda e
deu seu belo sorriso. Seu Eduardo falou: _Maravilhosa!!! Eu iria te fazer muito
feliz. De repente aparece o A de analógico no canto da tela da TV e seu Eduardo
apaixonado e extremamente romântico logo sacou, é o tal da TV digital, ela, a
Kátia, está me respondendo. Ele não perdeu a deixa, começou a falar com a
atriz, o A saia e voltava da tela e o senhor pensava, como a atriz era generosa
e uma grande dama por estar dando atenção aquele velho viúvo.
O romance acontecia
diariamente. Seu Eduardo, sentado em frente a televisão, falava de sua vida,
seus problemas e jogava seu velho e adormecido charme para a atriz. Ela,
pensava ele, era muito delicada e atenciosa, sempre o ouvia e respondia com o A
de AMOR para ele. A família do idoso até tinha percebido como ele estava feliz
e se arrumava diariamente, até estava colocando perfume. Quem percebeu também,
foi Felipe, seu bisneto de 15 anos. Garoto impossível. Não é que o menino
resolveu por um celular ligado atrás da TV do bisavô.
Seu Eduardo sentou
em frente ao aparelho de televisão e começou a falar e paquerar a atriz. Já não
via mais a reprise no SBT. Pensava ele, lá Kátinha não responde, não manda
sinal, devia ser porquê lá a TV não era digital ainda ou ela, a atriz, tinha
vergonha do antigo papel. Continuava falando e ela aparecia na cena linda,
dando seu belo sorriso, quando respondeu para ele:_ Dudinho você é um amor.
Pronto. Era o digital a pleno vapor. Seu Eduardo apaixonado e maravilhado com a
nova tecnologia ficou radiante.
Depois de uns dias
de namoro e muita conversa. A atriz pediu a seu Eduardo uma caixa de bombom de
uma marca famosa. Ela, pensava ele, delicada e tímida, respondia pouco, mas
estava sempre ali e merecia aquele simples mimo. O senhor comprou o presente e
fez como ela pediu, deixou a embalagem ao lado da TV. Ele tomava seus remédios
para dormir e no dia seguinte o presente já não estava mais lá. Era, pensava
ele, a tal da tecnologia digital. Afinal, a bisneta vivia mandando coisas pelo
lepratop e sempre perguntava se a pessoa tinha recebido. Era melhor do que os
correios brasileiros.
15 caixas de
bombons, 5 CDs de rock metal, 2 camisas de marca, 1 óculos de sol e 2 DVDs de
show ao vivo depois, Felipe resolveu pedir ao bisavô uma caixa fechada de
camisinhas para ele e os amigos. Seu Eduardo não questionava as preferências da
amada, ele sabia que gosto não se discute. Mas este pedido deixou o senhor extremamente
eufórico. Seria o que ele tanto esperava? Estar pessoalmente com sua amada.
Seria o tão falado na TV sexo virtual? Teria sua amada decidido assumir seu
romance?
O pedido aconteceu
num sábado. Domingo quando acordou a caixa já não estava lá. Sábado a atriz
aparecia no capítulo da novela a noite da qual participava também. No domingo
não costumava aparecer, devia ser sua folga, pensava o senhor, mas o A estava
sempre lá, lembrando sempre do seu amor. Seu Eduardo radiante passou um domingo
maravilhoso, sonhando acordado com seu amor. A noite estava excitadíssimo. Viu
o Fantástico. Veio o Domingo Maior com o filme "Missão Impossível 13", velha reprise, o senhor firme e
forte. Acabou o filme e então aconteceu. A emissora avisa que iria interromper
a programação para reparos. Seu Eduardo duvidou. Veio a barra de cores. Seu
Eduardo aguardou. A emissora saiu do ar. Chuviscos. Seu Eduardo ficou estático.
Branco. Levou um fora da amada. Desta vez não tomou os remédios. Chorou até
dormir.
Vendo o avô
perturbado, a neta logo descobriu o que Felipe fez. 3 meses sem computador,
vídeo game e TV. Ela era uma mãe rigorosa. Na família as pessoas resolveram não
comentar o assunto para não ferir o coração de seu Eduardo. O senhor andou umas
semanas cabisbaixo e parou de assistir suas novelas. Mas não resistiu e voltou
ao velho habito depois de 2 meses.
Recuperado, pensava
seu Eduardo, ela não é tão grande atriz assim e nem uma pessoa tão maravilhosa.
O A continuava lá, mas o senhor nem ligava, esnobava a atriz dizendo o quanto
foi feliz com a falecida e que essa era
sim, uma grande e maravilhosa dama. Dizia ele, que a atriz era burra, não
entendia de tecnologia digital, nem se expressava direito. Ele sim. Era
aposentado do Instituto Felix Pacheco e a vida inteira registrou e autenticou
digitais, até mesmo as das 5 filhas. Se era digital era com ele mesmo. Tomou os
remédios e foi dormir. A neta com pena dele, quis fazer uma surpresa e a noite enquanto
ele dormia, trocou a velha TV analógica por uma digital.
Seu Eduardo acordou
e custou a acreditar. Sua velha TV, que custou um bom dinheiro, era agora
outra, novinha em folha. Pensou ele, como a Globo é poderosa, que tecnologia
fantástica, por isso que ganha Emmy e está assim com os americanos. É a
tecnologia chegando na casa dos telespectadores. É a interação digital.
As novelas de Kátia
Valadares tinham acabado. Seu Eduardo resistiu até a noite, quando se arrumou
para ver TV. Eram 9 horas quando ligou a TV na Globo para assistir a nova
novela que começava naquele dia, "A Revolução da Ilusão" da autora
Dilmah Tamanduá. Rola novela, até a entrada da grande estrela do momento
Cleomar Pires. Ela sorri devastadoramente e então surge no canto da tela, HD.
Seu Eduardo dá um salto do seu sofá. Era as iniciais do seu sobrenome. Hilário
Duarte. Eduardo Hilário Duarte, seu nome de batismo.
Pronto. Foi paixão a
primeira vista, ou cena. Seu Eduardo caiu de amores por aquela nova estrela que
sabia seu sobrenome. Essa sim, era alguém digna de seu amor. Seu Eduardo estava
na era digital, assistia uma programação feita só e exclusivamente para ele. O
grande problema, pensava ele, era assumir para a família o amor por uma mulher
mais nova. Mas são outros tempos, é o futuro acontecendo, sem preconceitos e
ele sabia que seu amor seria aceito. Seu Eduardo se emociona e sorri para a TV.
Então acontece a magia. Ela responde:_Oi, Dudu!!!
Texto e ilustração: José Henrique Erthal